Ontem, enquanto voltava, presenciei, pela tangente, um por do sol nunca antes assim entrevisto. Eu tinha, do ônibus, uma fração de paisagem que se movia em lentidão, e então, quando parecia que o sol já havia se posto, percebi, entre ou além dos prédios, um amarelo intenso no céu, filtrado pelas árvores, que pareciam cintilar. Claro que o contraste imediato foi a iluminação artificial do Natal, reservada para a noite. Aquela cintilação momentânea, criada por uma conjunção especial de horário, lugar, olhar, disposição da paisagem, de um amarelo ouro vibrante e intenso, era um presente da natureza a quem se dispusesse a tirar os olhos do aqui e agora. Pensei também que fenômeno tão belo não combinava com a palavra crepúsculo.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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