Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Dora Ferreira da Silva

DISSE A SOMBRA...

Disse a sombra ao sol: “Eu passo”
E ele ― rubicundo de mormaço ―
responde: “Mais devagar também caminho
enquanto alongas tuas pernas desmedidas.”

Ao meio-dia diz a sombra: “Em ti dormito,
oculta em teu novelo de verdades
tão claras, que o olhar dos homens velas.”

“Em mim dormitas?” diz o sol zangado.
“E eu pensando ser a luz tamanha
que sombra alguma em  mim repousaria
antes da negra noite apagar meu dia.”

Dora Ferreira da Silva. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p.334.

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