A MORTE DA COLIBRI
Morreu a colibri. Morreu rápido, fácil, sem dores ou aflições. Morreu como um passarinho. Sua única tristeza, ao partir, parecia ser a certeza de que, como todos os colibris, o esposo morreria assim que ela abandonasse o mundo. Pois é sabido que um colibri não pode viver sem a sua companheira. Jamais houve um colibri que conseguisse resistir à morte da fêmea, eis a suprema grandeza de um amor. Mas como a colibri sabia disso, isso também sabia o dono do colibri viúvo. E, assim que a colibri morreu, o esperto dono, rapidamente, colocou diante do colibri um espelho perfeitamente polido para que a avezinha não sentisse a falta da companheira. E como tal se buscava, tal se deu. O colibri, que era míope ou narcisista, vendo-se refletido no espelho, considerou duplicada a sua vida e, assim, continuou vivendo, contrariando a lenda e a ornitologia. Mas lá veio o dia fatal em que um moleque atirou uma pedra na gaiola, tentando acertar o colibri. Não acertou no colibri mas acertou no espelho. E logo, num minuto, olhando em volta, atônito, apalermado, o colibri entrou em pânico, em agonia, e sucumbiu. O médico chegou apenas a tempo de constatar a morte e declarar a causa: morreu de espelho partido.
MORAL: Ninguém pode viver sem o reflexo da própria imagem.
Millôr Fernandes. Fábulas fabulosas. 15.ed. Rio de Janeiro: Nórdica, 1999, p.27-28.
Nenhum comentário:
Postar um comentário