Na primeira “Elegia de Duíno”, o poeta diz que os
vivos cometem, todos, “o erro de distinguir em demasia.” Há dias pensava num
modo de escrever sobre um desejo que senti, de ver menos, de não perceber tanto
as coisas. Cheguei a ensaiar alguns movimentos, a fazer uma espécie de
exercício de diminuição da percepção, que sentia saturada. Fechei os olhos até.
Depois tudo voltou ao modo habitual de olhar, ou ao hábito do olhar habituado. Ou
quase, porque aquele lampejo ficou latente, e agora o acaso de uma leitura me
conduz a um verso que o confirma como intuição a ser ouvida.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
Nenhum comentário:
Postar um comentário