Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 3 de abril de 2013

Dora Ferreira da Silva

O ESTRANGEIRO

Na horta, revolvo a terra.
Entre raízes ávidas
me curvo.

Anunciam-te: o hóspede,
o totalmente outro, o antípoda.

As mãos sujas de terra,
mergulho-as na fonte. Nas águas,
refletida, a face que fulgura.

Desvio o olhar ferido.
Para sempre morta
a tudo que não sejas.

Dora Ferreira da Silva. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p.104.

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