Uma peça de roupa que comprei estava meio
descosturada. Percebi quando já estava no corpo. Demorei um pouco a me lembrar da
cesta de costura ― agulha, tesoura e linha. Enquanto costurava, dei-me conta de
que sentia calma, o gesto fino e pequeno de tecer, unindo fios e tecidos, me
acalmava. Não sei se a calma veio da percepção nova que tive, ou ao contrário
essa percepção produziu em mim a calma. O que percebi ali, muito sutilmente, é
que participo da tessitura de minha vida, criando, produzindo, e que posso criar
coisas boas.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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