Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 21 de novembro de 2010

Álvaro de Campos: "A música, sim, a música..."


A música, sim, a música…
Piano banal do outro andar…
A música em todo o caso, a música…
Aquilo que vem buscar o choro imanente
De toda criatura humana,
Aquilo que vem torturar a calma
Com o desejo duma calma melhor…
A música… Um piano lá em cima
Com alguém que o toca mal
Mas é música…

Ah, quantas infâncias tive!
Quantas boas mágoas!
A música…
Quantas mais boas mágoas!
Sempre a música…
O pobre piano tocado por quem não sabe tocar.
Mas apesar de tudo é música.

Ah, lá conseguiu uma música seguida —
Uma melodia racional —
Racional, meu Deus!
Como se alguma coisa fosse racional!
Que novas paisagens de um piano mal tocado?
A música!... A música…!

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