Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Queda que as mulheres têm para os tolos - edição Unicamp (trecho)


A pesquisadora Ana Cláudia Suriani da Silva propôs uma versão bilíngue para o texto Queda que as mulheres têm para os tolos, uma tradução de Machado de Assis para De l’amour des femmes pour les sots, de Vicro Hénaux. Já foi postado aqui a parte inicial do texto, conforme editado por Oséias Silas Ferraz.  Segue o mesmo trecho conforme edição da Unicamp. 


ADVERTÊNCIA

Este livro é curto, e talvez devera sê-lo mais.
Desejo que ele agrade, como me sai das mãos; mas é com pesar que me vanglorio por esta obra.
Falar do amor das mulheres pelos tolos, não é arriscar ter por inimigas a maioria de um e outro sexo?
Diz-se que a matéria é rica e fecunda; eu acrescento que ela tem sido tratada por muitos. Se tenho, pois,  a pretensão de ser breve, não tenho a de ser original.
Contento-me em repetir o que se disse antes de mim; minhas páginas conscienciosas são um resumo de muitos e valiosos escritos. Propriamente falando, é uma comparação científica, e eu obteria a mais doce recompensa de meus esforços, como dizem os eruditos, se inspirasse aos leitores a idéia de aprofundar um tão importante exemplo.
Quanto à imparcialidade que presidiu a redação deste trabalho, creio que ninguém a porá em dúvida.
Exalto os tolos sem rancor, e se critico os homens de espírito, é com um desinteresse, cuja extensão facilmente se compreenderá.



QUEDA QUE AS MULHERES TÊM PARA OS TOLOS

  Il est des nouds secrets, Il est des sympathies.


I


Passa em julgado que as mulheres lêem de cadeira em matéria de fazendas, pérolas e rendas, e que, desde que adotam uma fita, deve-se crer que a essa escolha presidiram motivos plausíveis.
Partindo deste principio, entraram os filósofos a indagar se elas mantinham o mesmo cuidado na escolha de um amante, ou de um marido.
Muitos duvidaram.
Alguns emitiram como axioma, que o que determinava as mulheres, neste ponto, não era, nem a razão, nem o amor, nem mesmo o capricho; que se um homem lhes agradava, era por se ter apresentado primeiro que os outros, e que sendo este substituído por outro, não tinha esse outro senão o mérito de ter chegado antes do terceiro.
Permaneceu por muito tempo este sistema irreverente.
Hoje, graças a Deus, a verdade se descobriu: veio a saber-se que as mulheres escolhem com pleno conhecimento do que fazem. Comparam, examinam, pesam, e só se decidem por um, depois de verificar nele a preciosa qualidade que procuram.
Essa qualidade é... a toleima!


HÉNAUX, Victor. Queda que as mulheres têm para os tolos. Trad. Machado de Assis. Estabelecimento do texto Ana Cláudia Suriani da Silva. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2008, p.41-47.

Nenhum comentário:

Postar um comentário