Consta que Mário Faustino previu sua morte. De fato, sua poesia é atravessada por cintilações sombrias, cintilações que produzem em quem lê uma paradoxal sensação de vida transbordante, vida que se deseja viva, vida contrastando com a opacidade da técnica, do nevoeiro a assombrar destinos. Porque se há um diferencial na poesia de Mário Faustino, esse diferencial é sua força, que o afastou da tentação de se ater aos volteios da linguagem, até sedutores, mas que se esgotam no signo, não necessariamente vazio, mas auto-referente. Nada é frio na poesia de Mário Faustino, exceto a morte, com a qual sua poesia trava uma forte luta, ainda quando espera um milagre para enfrentar a fera. Este milagre bem pode ser a poesia, ou a sutileza de re-inventar o homem.
NO TREM, PELO DESERTO
As vozes frias
Anulam toda chance de existência.
Jogam cartas terríveis
Batem fotografias perigosas
Não temem. Falam. Passam,
Na chacina do raro ostentam sua miséria.
Ninguém veste de verde. Um só
Parece vivo, aberto ― e esse dorme.
As aves lentas voam seus presságios
E a brisa morna engendra flores duras
Na secura dos cactos.
Alguém pergunta: "Estamos perto?" E estamos longe
E nem rastro de chuva. E nada pode
Salvar a tarde.
(Só se um milagre, um touro
Surgisse dentre os trilhos para enfrentar a fera
Se algo fértil enorme aqui brotasse
Se liberto quem dorme se acordasse).
BOAVENTURA, Maria Eugênia (Org). O homem e sua hora e outros poemas. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009, p.196. Nunca é demais lembrar as ponderações feitas por Sérgio Alcides sobre esta edição (aqui).
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