Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 6 de abril de 2011

qualquer música: alívio imediato

Trabalho, trabalho, trabalho. Trabalho o dia inteiro. Cansaço e sua mais-valia, aquilo que é cumulativo no ônus do trabalho. No meio de tudo, minha vida, meu ser precisando respirar. Então chego em casa precisando absurdamente de música, qualquer, que me tire da alma esta incerteza que quer qualquer impossível calma. Fernando Pessoa reconhecido nos versos musicados por Fagner. Precisos. Preciso. Precisamente isso, qualquer impossível calma. Vou vasculhando a MPB, Raimundo Fagner conduz a Zeca Baleiro. Não serve. Pode ser brega, pode ser um rockinho de araque made in Brazil. Aí me ocorrem os Engenheiros, Alívio Imediato.  Que a chuva caía como uma luva um dilúvio um delírio, que a chuva traga... Que a noite caía de repente caía tão demente quanto um raio, que a noite traga... Música, noite e chuva. Então acontece que os Engenheiros também gravaram "Negro Amor", versão brasileira de "It's All Over Now, Baby Blue". E aí que fizeram um vídeo bem cafoninha, mas que cai bem neste começo de noite, da noite de um dia em que alguns passos foram tatetados, e por isso esse coração batendo fora de compasso, porque as coisas não param mesmo de se mexer: "Risque outro fósforo, outra vida, outra luz, outra cor!" Foi para chegar neste verso de Bob Dylan, na tradução de Caetano Veloso e Péricles Cavalcante, que esse périplo todo foi feito. Porque meu coração às vezes bate de modo selvagem demais, e eu preciso acalmá-lo.

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