Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 3 de junho de 2011

digerindo a noite

Os sonhos desta noite e desses dias. Uma senha: no sonho, digo a alguém que tudo não passa de um sonho, e que felizmente vou acordar. A matéria do sonho: o dia. O pior pode ser entender um sonho. Na noite sonho que quero acordar do dia. Do caos das imagens dos meus sonhos vou emergindo como quem recobra aos poucos a consciência depois da anestesia, mas, ao contrário da cirurgia, quer saber o que se passou enquanto dormia. Tenho me recordado intensamente das imagens desconexas dos sonhos recentes: elas me chegam já embrulhadas pela tentativa de decifrar própria da hermenêutica do dia. Então a noite, para se defender, vinga-se dizendo-me ser impossível acordar do dia, que o dia é outra matéria, que ele penetra o sonho mas quer linguagem própria, não tolera a hermenêutica do dia.

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