Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Alexei Bueno

NESTE INSTANTE

Neste instante, neste,
Vê como sonhaste
Tudo o que viveste.

A vida é um engaste
De pedra roubada,
Mas nunca o notaste.

Nada deixou nada.
Dormimos a vida.
Nesta madrugada,

Nesta hora escolhida,
Tua alma, em teu quarto,
Virgem e esvaída,

Faz seu próprio parto.

BUENO, Alexei. Lucernário. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003, p.254-255.

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