Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 2 de agosto de 2011

papéis

Enquanto revolvo papéis acumulados nas disciplinas da universidade, me dou conta de que tudo que busquei foi dar vezo à minha imensa vontade de viver e aprender ― e um nicho onde pudesse repousar a cabeça. Machado de Assis, em passagem célebre de Brás Cubas, recomendava guardar as cartas da juventude. Pois estes papéis têm o valor que estas cartas teriam, caso existissem. Neles estão cifrados sentidos, vitórias, alegrias, histórias. Recebo alentado estímulo: fé na palavra-deus e pé na palavra-tábua! Tem encanto o contraste, o jogo de palavras e sentidos: a palavra-deus, criação; a palavra-tábua, achatamento, repetição. Onde a palavra-deus, a palavra-criação? Contam os românticos que Adão foi um privilegiado: recebeu diretamente de Deus o poder de criar pela palavra. Partindo de Friedrich Schlegel e Novalis, Walter Benjamin fez derivar da narrativa do Gênesis, alegoricamente, uma teoria sobre a origem da linguagem e seu caráter mágico. Na linguagem divina não haveria separação entre o nome e a coisa: a linguagem é o próprio ser, numa relação absoluta em que conhecer é criar. Essa linguagem criadora é doada ao homem, que se torna capaz de, refletindo em si o verbo divino, nomear as coisas, embora já o faça de forma limitada, como uma tradução: a linguagem nomeadora do homem é uma tradução da linguagem das coisas criadas por Deus na linguagem (no verbo), pois em Deus conhecer é criar, e criar é conhecer, de que a linguagem nomeadora do homem, segundo Benjamin, torna-se reflexo. Isso tudo me faz pensar que preciso rever o quanto antes minha dissertação de mestrado, onde falei estas e outras temeridades, revolver os papeis e colocar o bonde-linguagem para circular.

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