“Na verdade ―̶ diz Antonio Candido ―̶ abrangemos coisas demais sob o rótulo de crítica. Propriamente dita, ela talvez seja, antes de tudo, apreciação de cunho pessoal, como a desenvolveu o jornalismo no século XIX. Se não quisermos dar demasiada extensão ao termo, seria conveniente, para clareza das posições, distingui-lo, se não na prática, ao menos em princípio, da estilística, da história, da teoria, da erudição e da estética literária. Em cada uma dessas, o chamado ‘coeficiente humanístico’, isto é, a quota de subjetivismo em toda investigação intelectual, pode esbater-se a favor dos rigores técnicos; no limite, poder-se-ia mesmo admitir, nelas, a redução total do arbítrio. Mas na crítica propriamente dita, este é não apenas inevitável, mas recomendável e benéfico. Para escândalo de muitos, digamos que a crítica nutrida do ponto de vista pessoal de um leitor inteligente ―̶ o malfadado ‘impressionismo’ ―̶ é a crítica por excelência e pode ser considerada [...] aventura do espírito entre livros. Se for eficaz, estará assegurada a ligação entre a obra e o leitor, a literatura e a vida cotidiana ― sem prejuízo do trabalho de investigação erudita, análise estrutural, filiações genéticas, interpretação simbólica, atualmente preferidas pelo investigador de literatura, prestes a envergar de novo a toga do retórico. Inversamente, se ela não existir, perder-se-á este ligamento vivo, e os críticos serão especialistas, no sentido que a palavra assumiu na ciência e na técnica. Ora, isto poderia ser riqueza de um lado, mas, de outro, empobrecimento essencial, pois as águas ondulantes da literatura revelam muitos dos seus arcanos aos barcos ligeiros, mais do que à perspectiva solene dos couraçados.”
CANDIDO, Antonio. Um impressionismo válido. In:___. Textos de intervenção. Seleção, apresentação e notas Vinicius Dantas. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2002, p.46, destaques meus. Texto publicado originalmente em 1958.
VEJA — E a crítica literária em jornais e revistas?
CANDIDO — No Brasil, até trinta anos atrás, a crítica se fazia em artigos de cinco a dez páginas nos rodapés dos jornais, semanalmente. Escritos por pessoas intelectualmente sérias, produziam uma visão empenhada, que ao mesmo tempo informava e formava o leitor. Isso acabou. O último crítico desse tipo foi Wilson Martins [...].
VEJA — O aparecimento da crítica universitária contribuiu para isso?
CANDIDO — Sim. E o rodapé revelou-se insuficiente face às suas exigências. Se, de um lado, ela se fortaleceu, através da publicação de livros e revistas especializadas em crítica literária, de outro se enfraqueceu, com o êxodo dos universitários. O vazio nos jornais e revistas passou, então, a ser preenchido através do colunismo literário ̶― a pessoa recebe o material enviado pelos próprios editores, retira uma ou outra frase e faz sua coluna. Não há dúvida de que isso é muito útil para informar o público, e não vejo mal nenhum nisso. O caso é que se sente falta de uma nova fórmula, curta mas com tônus, músculos críticos mais acentuados.
CANDIDO, Antonio. Nos limites do possível. Veja, São Paulo, n. 371, p. 3-6, 15 out. 1975. Entrevista concedida a João Marcos Coelho.
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