Ontem/hoje, logo após bater meia noite, chego a escrever isso: "Já passa da meia noite, e está chovendo, uma chuva mansa, fina, calma. Gostaria muito de pensar que alguma coisa de Deus está aqui me fazendo companhia." Mas certo pudor (e temor) de falar de coisas tão íntimas e difíceis me contém ― e mesmo meu fuso horário particular não ia registrar a coisa como sábado, 0h25 da madrugada... Mas me embalou a ideia, e fui dormir. Aí sonho mais um daqueles sonhos caóticos, confusos, mas em que consigo discernir claramente alguém me trazendo uma bebê, e essa bebê é ― só pode ser ― o que fui aos 0h25 minutos da vida... Sonhos não são sonsos. Esta semana deparei-me, num elevador, com uma neném muito linda, de seus seis meses, e que me fez recordar, no átimo, o retratinho dessa época que trago comigo, único registro inconteste que tenho da minha inocência. Nele apareço assustada, provavelmente estranhando o fotógrafo. De forma que a visão da neném me fez pensar no que eu seria fora daquele retrato, nos braços da mãe, com o rosto calmo, suave, descansado. Não resisto, pergunto o nome dela, e a mãe responde "Sofia". Belíssima escolha para alguém que um dia será chamada a ser mulher. E se o assunto é "sonhos", na noite anterior havia sonhado, também em meio ao caos e à desorientação, esta fazendo-se conspícua, que entrava numa livraria e abria um livro, creio que de filosofia, mas não compreendia, e isso me angustiava deveras. Pois abrir o livro era claramente buscar orientação em meio à desorientação em que, no sonho, me achava. Já é manhã, mas isso ficará registrado como madrugada, algo muito a ver com o território dos sonhos. "Só à noite enxergamos claro", escreveu Sérgio Buarque de Holanda em 1925, num texto altamente carregado de tintas surrealistas.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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