Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Manuel Bandeira: um poema musicado

Baladilha arcaica

Na velha torre quadrangular
Vivia a Virgem dos Devaneios...
Tão alvos braços... Tão lindos seios...
Tão alvos seios por afagar...

A sua vista não ia além
Dos quatro muros que a enclausuravam,
E ninguém via ― ninguém, ninguém ―
Os meigos olhos que suspiravam.

Entanto fora, se algum zagal,
Por noites brancas de lua cheia,
Ali passava, vindo do val,
Em si dizia: ― Que torre feia!

Um dia a Virgem desconhecida
Da velha torre quadrangular
Morreu inane, desfalecida,
Desfalecida de suspirar...

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 20. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003, p.96.

Uma boa surpresa: encontrei uma versão musicada do poema, pela cantora Ana Cristina ― segue o link da Rádio UOL (aqui). Site oficial da cantora (aqui).

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