“A esta altura, decênio de 50, a nossa amizade já estava consolidada e a nossa convivência era constante, como foi até sua morte. Mencionarei para terminar um fato pitoresco para mostrar como nos divertíamos, porque inventávamos diários apócrifos de figurões, elaborávamos biografias imaginárias, fazíamos longos exercícios com a Gnomonia de Jaime Ovalle, ― de acordo com aquele enorme senso de humor que era uma de suas constantes. O caso foi que estando ele [Sérgio Buarque de Holanda] ensinando na Itália, onde ficou de 1952 a 1954, eu resolvi lhe escrever uma carta como se fosse de trezentos anos antes, mas dando notícias de coisas presentes. A linguagem era aquela tosca e irregular das Atas da Câmara, Autos de Visitação, etc. Havia problemas difíceis de resolver, como, por exemplo, dar uma notícia sobre Rodrigo Melo Franco de Andrade, nosso grande amigo, que era mineiro, mas Minas ainda não existia... Então inventei a fórmula: ‘natural de Cappitania das Minas que estam pera se achar’. Anoto isto para contar a grande inventividade dele na resposta. Esta veio em mãos, trazida por um amigo comum que viajava de avião. De que maneira relatar este fato no século XVII? Sérgio escreveu: ‘He portador desta Dom Paulo Mendes Dalmeyda que se passa a esa Comquista na máquina Passarola, que ha de inuentar a seo tempo o Padre Berto Lameu de Guzman da villa de Santos nessa marinha’.
CANDIDO, Antonio. Amizade com Sérgio. Revista do Brasil, Rio de Janeiro, Ano 3, n. 6, p.133, 1987.
P.S. A referida Carta Chilena existe de fato, e está na fila da postagem. Quando à “Gnomonia de Jaime Ovalle”, uma das brincadeiras mais irreverentes daquela geração, segue uma apresentação sucinta e cheia de humor, pelo blog Artilharia Cultural (link aqui).
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