Atravessando uma rua, num sinal de trânsito, me ocorre que "resignado", pelo acréscimo de um hífen depois da primeira sílaba, mudaria radicalmente de sentido. Vou ao dicionário e confirmo a intuição. Resignar, verbo pronominal, etimologicamente vem do latim resígno, 'tirar o selo, deslacrar, abrir (uma carta); desvendar, descobrir; resignar, renunciar; lançar em rol, fazer assento de; quebrar, violar, anular'. Como uma palavra, com esse potencial de transgressão, reduziu-se a "submeter-se sem revolta a; acatar, conformar-se", é desses mistérios que só a história que não é contada poderia desvendar, deslacrar. Parece que a própria linguagem foi domesticada pela resignação humana.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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