Nada me fez tanto mal quanto ler Machado de Assis (nem mesmo Kafka), mas foi um mal necessário. Refiro-me a Memórias póstumas de Brás Cubas. Na primeira vez que li o livro, informada pelos valores da igreja católica, não vi nada além da órbita moral: havia seres egoístas no mundo, dos quais era melhor se precaver. Da segunda vez que li, cerca de cinco ou seis anos depois, e já evadida da igreja, recebi em cheio a porrada que esse livro é, sem dó nem piedade, e odiei Machado de Assis. Como era possível aquele aviltamento todo, para não dizer total, da condição humana? Ninguém escapava. Eu seria como aquele verme que, não obstante todos os sofrimentos, ainda assim desejava viver? Foi assim que li o livro, ou que o livro me leu. Da terceira vez, já refeita da refrega, e a estudar para a prova do mestrado, li pelas lentes de Roberto Schwarz, a coisa do mestre na periferia do capitalismo, e percebi alguma redenção possível, além das flores do mal, conspícuas ao longo da trama. Hoje, se pegasse o livro de novo, talvez desse boas risadas do ridículo daquilo tudo, inclusive o meu. É que esse livro é uma enorme gargalhada na cara do leitor.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário