Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Carreiras (Domingos Oliveira, Brasil, 2005)


O filme Carreiras é razoável no que se propõe: uma noite na vida de uma jornalista que alopra ao se ver na iminência de perder seu cargo de prestígio dentro da emissora em que trabalha há tempo (há bons comentários sobre o filme, como aqui). Interessa sobretudo apontar a duplicidade de sentido da palavra "carreiras": a carreira profissional e as carreiras de cocaína, consumidas de forma alucinada pela protagonista e seus pares. Isso não só mostra a intimidade entre o poder e o consumo de drogas quanto a fragilidade (vulnerabilidade) de quem precisa agradar sucessivas hierarquias para se conservar nos postos que conquistou. Um retrato cruel dos bastidores do jornalismo de uma grande emissora de televisão, que não é preciso muito esforço para deduzir qual seja. Por que me ocorreu este filme justo agora? Por dois motivos: o primeiro deles fala por si (a farsa da mídia, especialmente a televisão, em torno do suposto combate ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro); o segundo por conta do trecho da Clarice: é que, a uma dada altura, dá a loucura da franqueza na protagonista, e isso a leva ao "inferno", do qual ela não sai ilesa.

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