Constrangedor. 88% dos moradores do Rio aprovam as medidas tomadas contra o tráfico, diz a simpática Sandra Annenberg na edição de hoje do jornal hoje, segundo "pesquisa " do ibope: ou será segundo (secundando, por medo) o bope? Entra em cena o outro apresentador, dizendo que a pesquisa saiu depois do 5º dia de ocupação do Complexo do Alemão, que começou assim: entra então em cena um vídeo amador feito por um dos policiais do bope (que está com o ibope alto) mostrando a tropa de elite comemorando a proximidade da invasão (para quem quiser conferir a reportagem, basta clicar aqui). Logicamente as piores partes do vídeo foram expurgadas (para quem quiser sentir náuseas, basta clicar aqui). Voltando ao noticiário, rapidamente muda-se de assunto, e uma das reportagens que vem a seguir é uma matéria especulando acerca de um comunicado da NASA, previsto para hoje, anunciando uma "importante descoberta científica" (a suposta vida fora da Terra, como se alguém ainda duvidasse disso). Já que a vida aqui está difícil, nada como adotar um ar blasé e falar da ciência como se fosse uma amenidade. Em tom ameno e sorridente, o repórter se dirige à correspondente em Nova York, que fala nos mesmos termos, no mesmo intento de tentar fazer graça: "Olha, os últimos informes são de que os homenzinhos ainda não foram encontrados" (aqui). Coincidência ou não, a correspondente emprega a palavra avalanche (avalanche de boatos), a mesma que o comandante do bope empregou para caracterizar a operação nas comunidades cariocas. Só não dá para entender por que estão indo tão longe buscar os homenzinhos... Patético. Enquanto a vida por aqui se dilacera, a imaginação sonha em encontrar vida em outras esferas. A surpresa será se os homenzinhos formos nós.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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