Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 28 de novembro de 2010

Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain (França, 2001)


Estrelado pela bela Audrey Tautou, O Fabuloso Destino de Amélie Poulain tem, como apregoava aquela velha e boa propaganda, mil e uma utilidades: trata-se de um filme em que o espectador pode encontrar a fantasia que quiser. Em geral ele encontrará apenas as próprias, o que não deixa de reduzir o espectro do filme, amplo, como se disse. O filme tem como cenário o famoso bairro boêmio de Montmartre ― que rendeu o fraco musical Moulain Rouge, por exemplo, filme que entretanto traduziu com acuidade o que foi aquele ambiente, onde Amélie vive e trabalha, em local e funções bem distintas da infeliz protagonista do musical. Amélie é garçonete num café situado em Montmartre, e mora num prédio simples nas imediações: trata-se de uma visão de subúrbio, mas um subúrbio com requinte. Isso já dá uma boa ideia do filme, e muito de sua bizarrice pode ser entendida na intenção de trazer um outro Montmartre, uma outra Paris, onde o sonho se faz ao encontro do insólito, do inusitado. Como foi dito, o leque do filme é amplo, muitas são as entradas para o espectador. A minha foi: Amélie é alguém que fez da solidão da infância um passaporte delicado para um acesso ao mundo via detalhe, aquilo que quase ninguém vê. Ao se permitir o contato com o anonimato de outras solidões (e são muitas ao longo do filme), ela acaba encontrando o que pode doar de si ao outro. Bonito. E difícil. Gosto especialmente, além da figura de Amélie, do escritor fracassado que frequenta o café: nada mais francês que um escritor fracassado.

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