Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 4 de dezembro de 2010

Rainer Maria Rilke: Sonetos a Orfeu

II. 10

A máquina ameaça a toda conquista
ao ousar ser no espírito e não na obediência.
Tanta inveja tem da mão do artista,
que corta mais duramente a obra na essência.

Nunca se atrasa, para que, uma vez, lhe escapemos
e, oleosa, na fábrica em silêncio se pertença.
Ela é a vida ― pensa saber mais do que sabemos;
ordena, cria e destrói, decidida e intensa.

Mas para nós o existir ainda é encantado.
Fontes, ainda, em cem lugares. Jogo de puras
forças e aquele que as toca se ajoelha admirado.

Suaves surgem palavras nunca ditas...
E a música, sempre nova, em vibrante arquitetura,
constrói sua casa, nas alturas infinitas.

RILKE, Rainer Maria. Os sonetos a Orfeu. Elegias de Duíno. Trad. Karlos Rischbieter e Paulo Garfunkel. Rio de Janeiro: Record, 2002, p.84-85.

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