Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


segunda-feira, 10 de outubro de 2011

ouvindo um quero-quero

Por tanto querer uma brecha no moto-contínuo dos últimos dias, acabei vislumbrando, com a surpresa que sempre me toma nas aparições da lua, uma enorme lua cheia no céu de fim de tarde já início de noite, não sendo propriamente um crepúsculo. Vislumbrei e considerei que a hora, imprópria para voltar para casa, poderia ser brindada com aquela lua inusitada, o que ficaria perfeito com a presença do mar. O mar estava ali, próximo, a alguns metros de caminhada e paciência, considerando que me encontrava na Barra da Tijuca. Caminhei, pois, em direção à praia, lá chegando já de noite, e me sentei num quiosque para simplesmente me apropriar daquela conjunção única de lua cheia, fim de tarde começo de noite e mar. O mar estava lá, indo e vindo, marulhando de leve naquele recanto quase sem ninguém. Foi quando, passado algum tempo, escutei cantar um quero-quero. Para quem nunca ouviu esta ave, é mesmo curioso imaginar como a onomatopeia funcionou para transformar o singular canto no singular nome da ave. Ocorre que ouvi quero-queros durante toda a infância, quer dizer, enquanto morei no interior. Devia ser uma ave típica, pois escutávamos sempre, especialmente à tarde. Então, era inconfundível o canto que estava ouvindo na praia no início da noite. O que traiu a distância foi a surpresa de perceber que, apesar da semelhança do canto e do reconhecimento, era outra a ave, ou canto, que agora escutava, pois os quero-queros da infância não sabiam nada de onomatopeias, muito menos de quereres acima de suas possibilidades. Bastava ouvir o canto e estranhar o nome.

Imagem daqui. Um PS: queria ter escrito melhor esse texto, mas no fundo a coisa mais fiel que poderia ter feito era simplesmente deixar aquela ave cantar. 

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