Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 5 de novembro de 2011

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No sonho era inicialmente uma casa, a casa em que primeiro morei aqui no Rio de Janeiro. Recebia uma colega de trabalho, que identifico como alguém de face iluminada, que transpira leveza. Ia-lhe mostrando os aposentos, falando das restrições que tinha ao imóvel, e então há uma zona nebulosa, que não consigo delinear, e já estou ― estamos ― na minha nova casa no Rio de Janeiro, e estou explicando a ela que na mudança a sala ficou por uma semana tomada pelas caixas de livros. Mas, em essência, é como se não tivesse havido mudança e se tratasse da mesma casa, como se eu descobrisse, a posteriori, que gostava da casa que então morava. Então, depois de mais uma zona nebulosa ― e há uma criança no sonho que suponho ser filho de minha colega, ou quem sabe os resquícios da inocência ― eu presencio uma cena constrangedora: ela está fazendo algo, mediante um telefonema, reprovável, com o rosto encoberto, mas há alguém saído de uma novela registrando tudo. No meu ponto de vista do sonho o que ela faz é bem reprovável, mas consigo vagamente identificar uma analogia concreta para a reprovação, num senso ético que não tem me servido para quase nada, exceto para eventuais dores de cabeça. Voltando ao confuso enredo, o registro falha novamente, a criança continua à deriva, como se não tivesse mãe: o filho da Maga em O jogo da amarelinha? Faz sentido, pois a colega em questão é professora de espanhol, e ontem mesmo conversávamos sobre o filme Biutiful, entre outros aspectos o caráter ambíguo do protagonista, seu cenho sombrio, sua bondade misturada às injunções da sobrevivência, a tristeza que perpassa a narrativa. Então, no sonho, já numa outra cena, frustrado o flagrante ético, eu convido minha colega para irmos até a janela, e então é uma outra e terceira casa, a casa em que morei na adolescência em Cachoeiro, e mostro-lhe um fenômeno bonito, o mar batendo forte nos costados da casa (desnecessário dizer que Cachoeiro não tem mar), tão forte que causa-lhe uma expressão de espanto e alegria, e já então pouco importa o que se passou, o que vale é a janela voltada para fora, e mostro-lhe inclusive que o mar anteriormente já subiu mais, chegando bem perto, deixando uma marca na parede da casa. O mar batendo nos costados do meu blog. 

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