Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Dora Ferreira da Silva

O QUE PASSA, O QUE NÃO PASSA

São flores, os sentimentos. Secam.
Quem eram aqueles, na noite,
que o frio trazia?

A mendiga apoia-se à porta,
por hábito. Desconfiada,
avalia a mulher
e sua mão quase vazia ―

A mesma que apanhava
as eternas amoras
da primeira estação.

Dora Ferreira da Silva. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p.262.

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