Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 26 de dezembro de 2010

apurando a escuta: ouvindo Clarice Lispector e outras vozes

Uma das coisas mais desastradas que pode acontecer a alguém é entregar a escuta de sua voz a ouvidos pouco habilidosos. Mas é só assumindo algum tipo de risco que é possível ser ouvido, escolhendo igualmente silenciar. A elegância começa nas atitudes ― li faz muito tempo num texto versando sobre moda, provavelmente frase de algum estilista de renome ― talvez Yves Saint Laurent? E acaba nelas ― emendou recentemente um interlocutor atento e curioso. Mas só foi possível captar essa intuição da qualidade da escuta apurando, de alguma forma, a intuição. Quer dizer: apurando o ouvido. Por isso me ocorre esse trecho de Clarice Lispector, lido hoje, "Não entender" (A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.172):

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.”

O trecho me consola do tanto que estou me sentindo burrinha, com meu embaraço diante da vida, das coisas, das pessoas, das diferentes situações de que não é possível se furtar. Um pouco disso é o esforço da tese: gastei bastante da minha inteligência na escrita, e tenho que guardar mais estoque para o que vem agora, os ajustes finais, o sine qua non. De forma que esse trecho da Clarice Lispector deveras me acalma ― pelo menos me poupa o esforço inútil de entender o que fatalmente escapa. Mas o problema é que quero entender, e há meio mundo de coisas a descortinar. A meio caminho entre a luz e a escuridão, preferindo muitas vezes esta, fui escutando algumas falas, e duas delas, recentes, eu anotei (trata-se de pessoas da minha melhor estima):

Mariana,
Obrigada por este ano de aprendizado. Desejo a você enorme sucesso na defesa da tese e que o ano de 2011 seja mais rico e pleno de felicidade.
Luz, muita luz, por todos os seus caminhos.

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Por isso, digo que estou aqui, e, na medida do possível, sou seu ponto de interlocução. Dois faróis numa noite escura, você e eu.

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P.S. Nisso tudo faltou anotar uma coisa: fui passar o Natal no meu estado de origem, o Espírito Santo e, pelo menos na intenção, ir para lá guardou uma conotação particularmente interessante. Mas o momento é todo de escuta, não há dúvida.

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