Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 1 de janeiro de 2011

Rainer Maria Rilke: Sonetos a Orfeu

II, 20

Entre as estrelas, que distância! Mas ainda mais irrestrita
é a distância que nos separa
de uma criança, por exemplo... ou uma pessoa cara ―,
ah! que distância infinita!

O destino nos mede, talvez, com o metro do Ser,
por estranho que se o tenha.
Quantas medidas entre o homem e a mulher
que o deseja e desdenha.

Tudo é distância ― é um círculo sem fim.
Vê, sobre o prato, à mesa, posta com brandura,
o peixe: a sua face obscura.

Peixes são mudos... se pensava outrora. Será assim?
Não haverá, afinal, um lugar que se deixe
Falar a língua dos peixes, sem o peixe?

RILKE, Rainer Maria. Coisas e anjos de Rilke. Trad. Augusto de Campos. São Paulo: Perspectiva, 2007, p.165.

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