Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 1 de janeiro de 2011

alucinógenos, misticismo, literatura, ciência...

Eu não sei se entendo isso que li, nem mesmo se deveria levar tão a sério uma revista de divulgação científica, haja vista que divulgar traz em si a incômoda palavra vulgar. Mas é que o tema é pertinente, e num certo sentido caro a todos que prestaram minimamente atenção à palavra espiritualidade: a possibilidade da experiência mística, de que sempre receio falar, por perceber estar adentrando terreno delicado. Mas já que comecei, vou adiante, pois comecei justamente porque iria adiante. Então reproduzo o trecho final da matéria, relatando experiências científicas com alucinógenos que teriam produzidos estados místicos. A ciência penetrando o imponderável:

A visualização das áreas do cérebro envolvidas nas emoções e pensamentos intensos que as pessoas têm sob a influência das drogas dará uma janela para a psicologia por trás das experiências místicas produzidas pelos alucinógenos. Pesquisas adicionais também poderão trazer abordagens não farmacológicas mais eficientes se comparadas às práticas espirituais tradicionais, como meditação ou jejum para produzir experiências místicas e mudanças comportamentais desejadas. [...] As experiências místicas podem originar um senso profundo e duradouro da interconexão entre pessoas e coisas ― perspectiva que está por trás dos ensinamentos éticos das tradições religiosas e espirituais. Assim, uma compreensão da biologia dos alucinógenos clássicos poderia ajudar a esclarecer os mecanismos por trás do comportamento ético e cooperativo humano ― conhecimento que, acreditamos, poderá vir a ser crucial para sobrevivência da nossa espécie.” A matéria é da edição de janeiro de 2011, e pode ser encontrada aqui.

O problema, a meu ver, está, como sempre, não nos meios, mas nos fins de tais pesquisas, que podem jogar na direção da domesticação de algo potencialmente libertador: o que estaria pressuposto em “mudanças comportamentais desejadas”? Outros termos e expressões também não deixam de levantar suspeita. Mas...

Mas há um depoimento do escritor Paulo Mendes Campos, uma espécie de Clarice Lispector em trajes masculinos, em que ele relata justamente a experiência libertadora que conheceu com os alucinógenos ― não tão longe da ciência, perto de coisas de que talvez eu pouco suspeite. Essa experiência do escritor foi divulgada pelo próprio: “No Brasil, foi Paulo Mendes Campos quem melhor descreveu o efeito de drogas alucinógenas na percepção individual. Influenciado por Adouls Huxley, que havia publicado o célebre As portas da percepção, o poeta mineiro tomou ácido lisérgico sob supervisão médica de um amigo e escreveu um límpido relato sobre o evento, descrevendo suas alterações de tempo, sua capacidade de observar cores e a tonalidade das vozes das pessoas. ‘Experiências com LSD’, de 1962, foi republicado em vários livros do autor e tem algumas conclusões psicológicas que são poesia pura. Por exemplo: “Não existem ruídos lancinantes. Nós é que somos lancinantes” (do site Tanto). Vou procurar... o relato!

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