Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Murilo Mendes e Pablo Picasso

PICASSO

Quem pega a vida à unha como tu?
Só mesmo Espanha, tua mãe e mestra.
Paris formou o espaço de tua técnica,
Mas Espanha te deu o estilo de contrastes,
O gosto de regressar ao centro do problema,
De investigar a matéria da vida
E atingir o osso:
Construindo e destruindo ao mesmo tempo.

*

Situas o objeto inimigo,
Súbito assimilado.
As cores são de inventor, não de colorista.
A natureza morta
Retoma a lição espanhola:
Os elementos do quadro são “dramatis personae”
Que se cruzam no silêncio fértil.
Roma, Grécia ou África
Te servem de pretexto plástico:
O corpo extrai da vida
Sua força pessoal e polêmica.

*

Feito à imagem da Espanha, tu, Picasso,
Soube fundir a força e a contenção.

MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p.616-617. Galeria Pablo Picasso AQUI.

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