Benditos sonhos que trazem o que o dia, em signos esparsos, não deixa entrever: porque no dia há uma censura, e os painéis, os grandes painéis do imaginário, não chegam a se configurar, exceto em situações muito particulares que se engendram na distração ― o dia é, por dever de sobrevivência, atenção. Mas no sonho, que liberdade! A atenção, tensão da vida acordada, cede às tensões que permaneceram, pela necessidade do dia, no limiar da percepção. Embora os sonhos sejam caóticos, nas poucas imagens que sobrevêm à memória quando se acorda ― ruínas do que intensamente se viveu à noite ― é possível entrever o que o dia negou, e continuará negando, exceto na arte, ou em momentos de aguda intuição, que não são mais que lampejos em meio ao caos da atenção presa no trânsito, na multidão, porque é preciso atravessar as ruas sem se deixar atropelar, assim como não se quer ser atropelado pela vida.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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