Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 27 de agosto de 2011

noite e dia

Benditos sonhos que trazem o que o dia, em signos esparsos, não deixa entrever: porque no dia há uma censura, e os painéis, os grandes painéis do imaginário, não chegam a se configurar, exceto em situações muito particulares que se engendram na distração ― o dia é, por dever de sobrevivência, atenção. Mas no sonho, que liberdade! A atenção, tensão da vida acordada, cede às tensões que permaneceram, pela necessidade do dia, no limiar da percepção. Embora os sonhos sejam caóticos, nas poucas imagens que sobrevêm à memória quando se acorda ― ruínas do que intensamente se viveu à noite ― é possível entrever o que o dia negou, e continuará negando, exceto na arte, ou em momentos de aguda intuição, que não são mais que lampejos em meio ao caos da atenção presa no trânsito, na multidão, porque é preciso atravessar as ruas sem se deixar atropelar, assim como não se quer ser atropelado pela vida. 

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