Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Óssip Mandelstam

ESTE MEU CORPO

Este meu corpo, que alguém me deu,
Que fazer dele, tão um, tão meu?

Respirar, este quieto prazer
― Digam-me ― a quem devo agradecer?

Sou jardineiro ou só flor que fana?
Não estou só na prisão humana.

Sobre as vidraças do infinito
Eis meu calor, meu sopro inscrito.

Minha marca está ali impressa,
Mesmo que não se reconheça.

Que escoe a borra desta hora,
Ela está ali ― não vai embora.

CAMPOS, Augusto de. Poesia da recusa. São Paulo: Perspectiva, 2006. p.112. AQUI uma pequena coletânea de poesia russa moderna traduzida por Boris Schnaiderman  e Nelson Ascher.

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