Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 9 de janeiro de 2011

mãos solteiras

Na festinha de aniversário uma tia olhou-me as mãos e cobrou a aliança. Aludia ao papel que, simbolicamente, tal adereço joga em determinados círculos sociais, conspícuos onde me encontrava. Um pouco antes uma outra pessoa perguntou-me por que eu não usava anéis, já que tenho, segundo seu depoimento, mãos delicadas. Uma coisa responde a outra. 

E por estar em campo semântico afim, sobre coisas que não estão necessariamente no universo dos afins, aproveito para desinflacionar meu marcador dileto, coisas díspares, que atende a tudo que me é muito próprio. Entra em seu lugar cousas díspares, a pretexto de trazer à boca de cena uma variante em desuso do português e lembrar Guimarães Rosa: "Tem coisa e cousa, e o ó da raposa." É de fato uma cousa díspar reparar na ausência de anéis ou afins nas mãos de uma pessoa, remontando ao tempo de Machado de Assis, que aliás reescreveu o provérbio célebre, vão-se os anéis, ficam os dedos, em fórmula engenhosa. 

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