Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Paulo Mendes Campos: infância

A história do LSD me levou à busca do relato de Paulo Mendes Campos. Comprei o livro (Cisne de feltro) e foi a primeira coisa que li, assombrada com tanta revelação, que ainda não assimilei. O relato é longo, riquíssimo, diria mesmo imperdível, e a tentação de postá-lo aqui é grande. Mas o meu momento é de muito trabalho, não posso me dar esse luxo. De forma que, naquele meu ritmo meio dispersivo de leitura, vou lendo as outras crônicas do livro, às vezes no ônibus, e me reencontrei com esse autor ímpar de nossa literatura, que me causou tanto assombro com a crônica O cego de Ipanema. Paulo Mendes Campos é mineiro, e fez parte dos desatinos da rapaziada, mas não é Fernando Sabino, Carlos Drummond Andrade ou Otto Lara Rezende. Paulo Mendes Campos é uma flor melancólica e cheia de humor que brota do tédio do asfalto

"Ruim na infância é a incompreensão dos mais velhos. Estes são mais infelizes ainda e sofrem de tédio ao medo, à perplexidade, à agressividade da criança. Decidem do destino infantil com palavras lacônicas, nessa mesma reserva cruel que Deus mantém para com os homens. Há uma razão para tudo: o horror é não sabermos distingui-la, e só encontrarmos alívio na resignação ou no desespero. Assim respondíamos com ressentimento à naturalidade egoísta com que os mais velhos nos viam seguir para o purgatório, onde íamos expiar lentamente um crime que ainda não tínhamos cometido."

CAMPOS, Paulo Mendes. O colégio na montanha. Cisne de feltro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 57.  

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