Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 17 de junho de 2011

não estou aqui, não estou lá: estou de passagem

Esta música... inexplicável o fascínio que ela exerce sobre mim. Em parte pela sua raridade: a gravação original, de 1967, na parceria de Bob Dylan com The Band, é quase impossível de ser encontrada: precisa ser comprada. I don't belong to anybody. No cinema, assisti a "I'm Not There" duas vezes. Foi em BH e minha vida pessoal passava por turbulências. Eu mal acreditava naquela multiplicidade, aquele ser tão inquieto, tão corajoso, tão forte. Menos ainda acreditava que a cinebiografia dirigida por Todd Haynes pudesse não agradar aos fãs. Na minha inquietação, me vi uma tarde diante do cinema, e não tive dúvida de entrar e assistir pela segunda vez. Foi quando prestei atenção a uma música que tocava nos créditos finais, antes da antológica "Like a Rolling Stone" (ou depois?). Nunca a ouvira até então, mas bastou aquele contato mínimo, rápido, para que a canção me atravessasse. Depois comprei o DVD do filme, por fim adquiri o CD com a trilha sonora. É assim: a versão do Dylan para "I'm Not There" é uma raridade que se encontra apenas nos créditos finais do DVD ou no CD (a última faixa do lado 2). Sequer se encontra registro da letra no site oficial do cantor. Por que especificamente esta música? Tudo. Tanto que Todd Haynes percebe sua singularidade e a toma como título do filme-homenagem. A melodia, o modo arrastado com que Bob Dylan a interpreta, expressando mesmo o cansaço dos que não suportam se sentirem aprisionados em qualquer rótulo, imagem, estereótipo, caixote: seja lá o que ou onde for, I'm not there, não estou lá. Definitivamente não. Sei que já estou falando do meu cansaço, e afinal a música é de uma tristeza difícil de adjetivar. Mas também sei que é meu modo de expressar minha inadequação em relação a este mundo tão vulgar, óbvio, careta e cheio de heróis exemplares e operários padrão. Pois dizer "não estou lá" é recusar-se a funcionar, é dizer "não"... Sei que as pessoas mais próximas saberão que é apenas um modo de dizer sim, pois há a vida para viver, mas às vezes cansa e cansa e cansa... e eu tenho apenas vontade de dizer como aquele narrador de Guimarães Rosa, no final do conto "Lá, nas campinas": 

"Tudo era esquecimento, menos o coração. — 'Lá, nas campinas!...' — um morro de todo limite. O sol da manhã sendo o mesmo da tarde. / Então, ao narrador foge o fio. Toda estória pode resumir-se nisto: — Era uma vez uma vez, e nessa vez um homem. Súbito, sem sofrer, diz, afirma: — 'Lá...' Mas não acho as palavras." (ROSA, João Guimarães. Tutaméia: terceiras estórias. Ficção completa, v. II. Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1995, p. 607).

Não tenho achado as palavras, só isso, e tentar achá-las é o mesmo que tentar me colocar em um lugar em que não consigo estar. Uma hora vou encontrá-las, encontrando também um lugar, ou lugares. Bem, pelo menos o lugar físico-geográfico já foi encontrado, isso já foi resolvido, mas é de outra instabilidade que se trata. E em alguns lugares eu nunca vou querer estar.  

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