Esta música...
inexplicável o fascínio que ela exerce sobre mim. Em parte pela sua raridade: a
gravação original, de 1967, na parceria de Bob Dylan com The Band, é quase impossível de ser encontrada: precisa ser
comprada. I don't belong to anybody. No cinema, assisti a "I'm Not There" duas
vezes. Foi em BH e minha vida pessoal
passava por turbulências. Eu mal acreditava naquela multiplicidade, aquele
ser tão inquieto, tão corajoso, tão forte. Menos ainda acreditava que a
cinebiografia dirigida por Todd Haynes pudesse não agradar aos fãs. Na minha
inquietação, me vi uma tarde diante do cinema, e não tive dúvida de entrar e
assistir pela segunda vez. Foi quando prestei atenção a uma música que tocava
nos créditos finais, antes da antológica "Like a Rolling Stone" (ou
depois?). Nunca a ouvira até então, mas bastou aquele contato mínimo, rápido,
para que a canção me atravessasse. Depois comprei o DVD do filme, por fim
adquiri o CD com a trilha sonora. É assim: a versão do Dylan para "I'm Not
There" é uma raridade que se encontra apenas nos créditos finais do DVD ou
no CD (a
última faixa do lado 2). Sequer se encontra registro da letra no site
oficial do cantor. Por que especificamente esta música? Tudo. Tanto que Todd
Haynes percebe sua singularidade e a toma como título do filme-homenagem. A
melodia, o modo arrastado com que Bob Dylan a interpreta, expressando mesmo o
cansaço dos que não suportam se sentirem aprisionados em qualquer rótulo, imagem,
estereótipo, caixote: seja lá o que ou onde for, I'm not there, não
estou lá. Definitivamente não. Sei que já estou falando do meu cansaço, e
afinal a música é de uma tristeza difícil de adjetivar. Mas também sei que é
meu modo de expressar minha inadequação em relação a este mundo tão vulgar,
óbvio, careta e cheio de heróis exemplares e operários padrão. Pois dizer
"não estou lá" é recusar-se a funcionar, é dizer "não"...
Sei que as pessoas mais próximas saberão que é apenas um modo de dizer sim, pois
há a vida para viver, mas às vezes cansa e cansa e cansa... e eu tenho apenas
vontade de dizer como aquele narrador de Guimarães Rosa, no final do conto
"Lá, nas campinas":
"Tudo era esquecimento, menos o coração. — 'Lá,
nas campinas!...' — um morro de todo limite. O sol da manhã sendo o
mesmo da tarde. / Então, ao narrador foge o fio. Toda estória pode
resumir-se nisto: — Era uma vez uma vez, e nessa vez um homem. Súbito,
sem sofrer, diz, afirma: — 'Lá...' Mas não acho as
palavras." (ROSA, João Guimarães. Tutaméia: terceiras
estórias. Ficção completa, v. II. Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1995, p.
607).
Não tenho achado as palavras, só isso, e tentar achá-las é o
mesmo que tentar me colocar em um lugar em que não consigo estar. Uma hora vou
encontrá-las, encontrando também um lugar, ou lugares. Bem, pelo menos o lugar
físico-geográfico já foi encontrado, isso já foi resolvido, mas é de outra
instabilidade que se trata. E em alguns lugares eu nunca vou querer
estar.
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