CONVITE
O ser convida-se a si
próprio à terrível dança...
Georges Bataille
Se eu soubesse dançar
convidava-te para um tango,
guiava-te nos labirintos do coração.
Voaríamos sobre os campos
como num desenho animado,
seríamos uma ameaça
à estabilidade nacional.
Se eu soubesse dançar
inventava-te um deus novo,
um deus que não temesse
o conhecimento do amor,
um deus que oferecesse à carne
o esplendoroso sangue
de um vulcão vivo.
Mas há o peso a urdir
o fim que vem do céu
para a terra e na terra
se funde com a morte.
E há as folhas das árvores
sem nome, lavadas pelo frio,
que alargam os braços
à medida do tronco do tempo,
abraçam-nos, dançam com o tempo
em tanto silêncio.
Sobre a terra continua a cair todo o céu.
E no entanto a respiração do mundo
atinge-nos como um estrépito,
também nós dançamos o tango silencioso,
nossos braços transformados em ramos,
nossos dedos como folhas pesadas.
E por dentro o sangue transforma-se-nos
numa resina crua, mágica,
um segredo sem negrume
revelando-se em todas as palavras
naturalmente proferidas,
um segredo sem negrume
revelando-se no olhar,
na respiração do mundo
dentro de nós suspirada.
Manuel Henrique Bento Fialho. A dança das feridas. Edição do autor. Portugal, 2011, p. 7-8.
O excelente livro A dança das feridas, composto por poemas cujo mote são relações amorosas sublinhadas pela história (conforme apresentado AQUI), distingue-se pela sutileza com que a pele dos casais encenados é transmutada em poesia. Destaco os poemas "Rainer Maria Rilke a Lou Andréas-Salomé", "Declaração" (lindíssimo), "Oscar Wilde a Lorde Alfred Douglas", "Sylvia Plath a Ted Hughes", "Sid Vicious a Nancy Spungen", "Henry Miller a Anaïs Nin", e o poema que fecha o livro, "Amor e Morte", de que transcrevo um verso: "A ruína não é coisa que se traga a tiracolo." Já o amor costuma dar ares novos a quem o experencia, afastando ilusoriamente a morte. O poema "Convite" abre o livro: convite à leitura, convite ao leitor para o teatro do amor, vivido nos recessos onde o ser se sabe mais íntimo, com o contraponto talvez de não saber muito bem o que, quem ou para o que está convidando. O livro pode ser adquirido diretamente com o poeta e escritor Henrique Fialho, que mantém o blog antologia do esquecimento.
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