Os sonhos desta noite (que eu nem sei se houve, no plural, pois estava dormindo, e dormir é não saber, e ao mesmo tempo saber-se muito), deixaram como vestígio apenas uma imagem: meus cabelos levemente mais crescidos. Minha imagem com os cabelos um pouco mais compridos. Ontem, no ônibus, folheava Alice, enquanto minhas sensações teimavam em me arrastar para a paisagem, outra forma de chamar atenção sobre elas próprias. Transformações em curso, com poucos sinais evidentes, por ora. Mas na noite que perdura ao longo do dia, nos recessos de difícil acesso, vislumbro, pelo sonho, camadas em movimento, a tectônica de placas em atuação: no fundo da Terra, para onde caiu Alice, muito acontece, e conforme a intensidade os abalos sísmicos chegam à superfície. Chegaram-me, esta noite, pelos cabelos em crescimento, e isso me traz à memória, agora, no momento em que escrevo, outra história conhecida. Então escrever é ajudar os sonhos.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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