Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Marianne Moore: poesia: a place for the genuine

POESIA

Eu também não gosto lá muito dela: há coisas mais importantes
                         que toda essa charanga.
Lendo-a, todavia, com o mais perfeito desdém, a gente acaba
                         descobrindo
nela, afinal de contas, um lugar para o genuíno.
     Mãos que podem apertar, olhos
     que se podem dilatar, cabelo capaz de eriçar-se
           se for preciso, tais coisas são importantes não porque uma


grandiloquente interpretação lhes possa ser aposta mas
                          porque são
        úteis. E se ficam tão derivativas que chegam a ser
                          ininteligíveis,
        o mesmo se poderá dizer de qualquer um de nós, que não
              admiramos aquilo que
              não podemos compreender: o morcego
                    pendurado de cabeça para baixo ou em busca de algo
                           que


comer, os elefantes empurrando, um cavalo selvagem se espojando,
                         incansável lobo debaixo de
      uma árvore, o crítico estacionário encolhendo a pele como um
                         cavalo picado por um mosquito, o fan de base-
      ball, o estatístico ―
             e nem está direito
                   discriminar contra “documentos comerciais e


livros escolares”; todos esses fenômenos são importantes. A gente
                          deve fazer uma distinção
        contudo: quando eles são arrastados à preeminência por semipoetas,
                          o resultado não é poesia,
        e nem ― até que os poetas dentre nós possam ser
              “literalistas da
              imaginação”, acima
                     do insolente e do trivial e possam apresentar a quem


 quiser inspecionar, jardins imaginários contendo sapos de verdade ―
                         é que ela será
       nossa. Enquanto isso, se você exigir por um lado
       a matéria-prima da poesia
             todo o seu primarismo e
             aquilo que é por outro lado
                    genuíno, então você se interessa por poesia.


POETRY

I, too, dislike it: there are things that ar important
                    beyond all this fiddle.
Reading it, however, with a perfect contempt for it, one
                    discovers in
it after all, a place for the genuine.
      Hands that can grasp, eyes
      that can dilate, hair that can rise
             if it must, these things are important not because a


high-sounding interpretation can be put upon them but
                   because they are
     useful. When they become so derivative as to become
                   unintelligible,
     the same thing may be said for all of us, that we
            do not admire what
            we cannot understand: the bat
                  holding on upside down or in quest of something to


Eat, elephants pushing, a wild horse taking a roll, a tire
                   less wolf under
       a tree, the immovable critic twitching his skin like a
                   horse that fells a flea, the base ―
       ball fan, the statistician ―
             nor is it valid
                   to discriminate against “business documents and


“school-books”; all these phenomena are important. One
                     must make a distinction
        however: when dragged into prominence by half-poets,
                      the result is not poetry,
        nor till the poets among us can be
              “literalists of
              the imagination” ― above
                     insolence and triviality and can be present


for inspection, imaginary gardens with real toads in them,
                   shall we have
      it. In the meantime, if you demand on the hand,
      the raw material of poetry in
             all its rawness and
             that which is on the other hand
                    genuine, then you are interested in poetry.


FAUSTINO, Mário. Poesia completa e traduzida. Org. Benedito Nunes. São Paulo: Max Limonard, 1985, p.284-287.

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