Das imagens desta noite ficou-me mais viva a última (as outras já se perdendo naquela névoa que sobra dos sonhos), eu fazendo uma estranha salada, sem intenção inicial de fazê-la, pois que apenas misturava ingredientes pouco ortodoxos ao conceito de salada que tinham restado próximo a mim, enquanto as outras pessoas saíam para fazer coisas que julgava bem mais interessantes, tanto que me tomava a frustração de não poder ir também. No entreato dos atos fiquei e mexia aquela mistura com cara de nada, nonsense, até que percebi tratar-se de uma salada, ainda que com componentes exóticos e um aspecto de incompletude ― é que quando percebi o que se passava comecei a me empenhar para que aquilo ganhasse a forma que reconhecia, e é claro que as palavras com que dou contorno às imagens do fragmento do sonho são já outra camada dos ingredientes (fragmentos) que misturava, percebendo-lhes uma liga (aliás eles ofereciam mesmo alguma resistência ao movimento), ao mesmo tempo em que a palavra salada é só uma concessão ao que se passava. Assim como a palavra abacate ou lentilha. Com as sobras de vários sonhos dentro do sonho eu estava a fazer uma salada.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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