Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

sem disfarce

“Entrou numa sorveteria e comprou um sorvete. Passaram duas mocinhas de uniforme de colégio, conversando e rindo alto. Olharam para Tuda com a animosidade* que as pessoas sentem umas pelas outras e que os jovens ainda não disfarçam. Tuda estava sozinha e foi vencida. Pensou, sem ligar o pensamento ao olhar das meninas: que tenho a ver com elas? Quem esteve junto à doutora, falando de coisas misteriosas e profundas? E se elas soubessem da aventura nem entenderiam...

“Gertrudes pede um conselho”. Os melhores contos de Clarice Lispector. 3.ed. São Paulo: Global, 2001, p.197-198.


* má vontade constante ― segundo uma das acepções. 

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