... termino de assistir "Asas do Desejo" e vou dormir, mas não sonho com o anjo ― sonho, confusamente, com a escrita do texto sobre o anjo, o sonho com o anjo. É com a escrita, neste espaço confuso que rasguei para mim num dia de distraída decisão, que sonho. No sonho, vislumbro alguns anjos, que assumem a face de alunos ― mas não era para ser o contrário, eu a aluna? Sim, é isso, sou eu a aluna ― e é por isso que eles, os alunos, aparecem ― tentando entender um texto que desconcerta. Mas também são os meus alunos, naquilo que vislumbro de inocência neles. O sonho é confuso, o texto é fragmentário, não há redenção, exceto na tentativa de escrever. Cada diálogo desse filme é como se fosse a página de um livro em processo de escrita, um livro que se medita, um livro de muitas vozes, que falam para si mesmas, para a solidão. Talvez que o anjo não exista, e tudo não tenha passado de um sonho para a bela Marion. Mas talvez sim, eles existam. Preciso ler Rainer Maria Rilke. Às vezes me espanto da coragem que tenho de sentar diante da tela e escrever, esquecendo-me (ainda bem) que não falo só pra mim.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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