Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 14 de outubro de 2010

cada um com seu grau de miopia

"A história do que nos oprime é a história de nossa estreiteza de pensamento". Pensei isso faz tempo, inspirada em Kafka e Fernando Pessoa. A fala de um amigo, num comentário recente, falando em "estreiteza mental", reavivou a imagem. Estreito ou não, o fato é que foi um lampejo que me ajudou durante um bom tempo. Acho inclusive que "estreiteza mental" fica melhor que "estreiteza de pensamento". Reproduzo o trecho do comentário: "Estes fatos revelam a importância da literatura e das artes para a formação dos sujeitos. Essa estreiteza mental é efeito de anos e anos de provas de múltipla escolha e de 'exercícios de recopiação de textos', ao invés de interpretação/leitura aprofundada de textos. Uma pessoa submetida a esse tipo de coisa tem uma escolarização precária. Como é que alguém assim entende/lê o mundo sem os óculos de valores atrasados?" Meu amigo aludia ao circo religioso em que se converteu (sem duplo sentido) o palanque do debate presidencial para o 2º turno. Aí eu lembrei Machado de Assis, Brás Cubas, o famoso episódio em que o narrador ordena ao leitor que limpe os óculos: “Limpa os óculos ― que isso às vezes é dos óculos” (capítulo "A uma alma sensível"). Cínico, Machado? Extremamente.

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