Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 8 de julho de 2011

escolher o menos

Escolher o menos. Utilizei esta expressão numa postagem meio intempestiva escrita ano passado (aqui), e já havia mesmo me esquecido, quando hoje, ao refletir sobre uma série de coisas que me são caras, lembrei-me dela ― mas me lembrei assim: quem é que li ano passado que usou esta expressão, escolher o menos? Alguém que li falou isso ― continuei em minhas divagações  e cheguei mesmo a fazer um post. Mas quem?  ― e continuei a buscar contorno para o post que faria, este que ora escrevo, em que a expressão se coadunaria com o restante, só faltando encontrá-la e a fonte. E afinal encontrei, e para minha surpresa não foi lida de ninguém: fui eu mesma que a cunhei, para falar de coisas que eram prementes, dentre as quais o que pretendia aqui. Escrevi então: "É bom notar também que não se trata de nenhum blog campeão de audiência, com grandes pretensões, mas antes uma ilhota, uma micro-ilha, rodeada de milhares de ilhas mais portentosas, dispersas num oceano imenso, que eventualmente configuram arquipélagos, territórios discursivos. A pretensão aqui é mais simples: falar e, com sorte, fazer-se ouvir, quem sabe conseguindo também ouvir." É sobre este falar que vem a propósito a expressão escolher o menos.

Sempre ouvi falar em poeta menor (Manuel Bandeira é emblemático a esse respeito), como também não me escapou o título do conhecido texto de Deleuze, "Kafka: por uma literatura menor", que nunca cheguei a ler, embora tivesse me rondado mais de uma vez na Universidade, nas conversas e nas ementas das disciplinas (sempre maravilhosas, as ementas, as disciplinas era melhor perguntar antes a alguém bem informado). Quando escrevi o texto sobre o livro de poemas traduzidos por Augusto de Campos, fui derivando, por conexões que parecem ter um mecanismo próprio, este texto, no sentido da intenção desses meus escritos de crítica literária (se posso chamá-los assim), para usar o termo de Alexandre Eulálio. Como situá-los? Porque é claro que, por maior que seja minha timidez, estou me aventurando neste campo, e foi então que me ocorreu que a par do poeta menor pode existir a crítica menor: crítica no sentido da palavra crítica ― mas crítica como substantivo feminino também  me ocorreu imediatamente. A nossa literatura forjou um Rodrigo S.M., nada impede que outras vozes dissonantes, embora com bem menor alcance, possam se lançar. Esta que aqui fala nem sequer pretende (verbo pretensioso, este), apenas sabe-se fazendo um exercício de crítica menor  em muitos e variados e complexos e contraditórios sentidos. Mas menor, sempre, e mesmo o sentido disso ainda está por se fazer. Pois uma coisa é certa: o que é grande já possui muitos que lhe tomem conta. Menor, sobretudo, porque é o que vai me franquear as portas possíveis. 

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