Se tivesse de escolher um poema de Drummond, seria este, aliás há muito escolhido, "Um boi vê os homens". A crueldade do homem, a capacidade para o mal, diria mesmo disposição, está toda ali, nos versos ― e no rastro da tristeza chegam à crueldade. Porque as notícias se sucedem, e a cada vez a consternação é coletiva, mas como entender o enjaulamento, o abuso, a violência, o cárcere privado e o espancamento até a morte de uma criança, de mais uma criança, sem que ninguém tivesse feito nada para impedir? Chamava-se Christian o garoto. Soa cândido, ao final da reportagem, deparar-se com isso: investigadores locais e estaduais estão agora tentando determinar como e por que o sistema fracassou em descobrir o abuso sofrido por Christian Choate. O sistema não fracassou em descobrir: simplesmente não quis ver, porque não lhe interessa a vida, a integridade das pessoas. Aliás, a quem pode interessar? O que vale uma pessoa entre tantas? O que terá verdadeiramente acontecido? Como, de abuso em abuso, essa criança chegou até a morte?
UM BOI VÊ OS HOMENS
Tão delicados (mais que um arbusto) e correm
e correm de um para outro lado, sempre esquecidos
de alguma coisa. Certamente, falta-lhes
não sei que atributo essencial, posto se apresentarem nobres
e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves,
até sinistros. Coitados, dir-se-ia que não escutam
nem o canto do ar nem os segredos do feno,
como também parecem não enxergar o que é visível
e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes
e no rastro da tristeza chegam à crueldade.
Toda a expressão deles mora nos olhos ― e perde-se
a um simples baixar de cílios, a uma sombra.
Nada nos pelos, nos extremos de inconcebível fragilidade,
e como neles há pouca montanha,
e que secura e que reentrâncias e que
impossibilidade de se organizarem em formas calmas,
permanentes e necessárias. Têm, talvez,
certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem
perdoar a agitação incômoda e o translúcido
vazio interior que os torna tão pobres e carecidos
de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme
(que sabemos nós?), sons que se despedaçam e tombam no campo
como pedras aflitas e queimam a erva e a água,
e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.
de alguma coisa. Certamente, falta-lhes
não sei que atributo essencial, posto se apresentarem nobres
e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves,
até sinistros. Coitados, dir-se-ia que não escutam
nem o canto do ar nem os segredos do feno,
como também parecem não enxergar o que é visível
e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes
e no rastro da tristeza chegam à crueldade.
Toda a expressão deles mora nos olhos ― e perde-se
a um simples baixar de cílios, a uma sombra.
Nada nos pelos, nos extremos de inconcebível fragilidade,
e como neles há pouca montanha,
e que secura e que reentrâncias e que
impossibilidade de se organizarem em formas calmas,
permanentes e necessárias. Têm, talvez,
certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem
perdoar a agitação incômoda e o translúcido
vazio interior que os torna tão pobres e carecidos
de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme
(que sabemos nós?), sons que se despedaçam e tombam no campo
como pedras aflitas e queimam a erva e a água,
e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.
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