Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 5 de julho de 2011

Hart Crane: Garden Abstract

JARDIM ABSTRATO

A maçã sobre seu ramo é seu desejo, ―
Brilhante suspensão e mímica do sol.
O ramo aprisionou-lhe o sopro, e sua voz
Mudamente articulada na queda e na ascensão
De galho sobre galho acima dela ofusca-a
Prisioneira da árvore e de seus dedos verdes.

E sonha-se ela assim a própria árvore,
Possuída pelo vento, que lhe tece as veias jovens,
Segurando-a contra o céu e o azul breve
Mergulhando no sol a febre de seus braços.
Não tem memória, medo ou esperança
Além da grama e das sombras a seus pés.


GARDEN ABSTRACT

The apple on its bough is her desire,—
Shining suspension, mimic of the sun.
The bough has caught her breath up, and her voice,
Dumbly articulate in the slant and rise
Of branch on branch above her, blurs her eyes.
She is prisoner of the tree and its green fingers.

And so she comes to dream herself the tree,
The wind possessing her, weaving her young veins,
Holding her to the sky and its quick blue,
Drowning the fever of her hands in sunlight.
She has no memory, nor fear, nor hope
Beyond the grass and shadows at her feet.

FAUSTINO, Mário. Poesia completa e traduzida. Org. Benedito Nunes. São Paulo: Max Limonard, 1985, p.292-293.

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