O PIÃO
Um filósofo costumava circular onde brincavam crianças. E, se via um menino que tinha um pião, já ficava à espreita. Mal o pião começava a rodar, o filósofo o perseguia com a intenção de agarrá-lo. Não o preocupava que as crianças fizessem o maior barulho e tentassem impedi-lo de entrar na brincadeira; se ele pegava o pião enquanto este ainda girava, ficava feliz, mas só por um instante, depois atirava-o ao chão e ia embora. Na verdade acreditava que o conhecimento de qualquer insignificância, por exemplo, o de um pião que girava, era suficiente ao conhecimento do geral. Por isso não se ocupava dos grandes problemas ― era algo que lhe parecia antieconômico. Se a menor de todas as ninharias fosse realmente conhecida, então tudo estava conhecido; sendo assim só se ocupava do pião rodando. E, sempre que se realizavam preparativos para fazer o pião girar, ele tinha esperança de que agora ia conseguir; e, se o pião girava, a esperança se transformava em certeza enquanto ele corria até perder o fôlego atrás do pião. Mas quando depois retinha na mão o estúpido pedaço de madeira, ele se sentia mal e a gritaria das crianças ― que ele até então não havia escutado e agora de repente penetrava nos seus ouvidos ― afugentava-o dali e ele cambaleava como um pião lançado com um golpe sem jeito da fieira.
KAFKA, Franz. Narrativas do espólio. Trad. Modesto Carone. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p.136-137.
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