"Ela uma vez vira uma amiga inteiramente de coração torcido e doído e doido de forte paixão. Então quisera nunca a experimentar. Sempre tinha medo das coisas belas demais ou horríveis demais: é que não sabia em si como responder-lhes e se responderia se fosse igualmente bela ou igualmente horrível. Estava assustada como quando vira o sorriso de Mona Lisa, ali, à sua mão no Louvre. Como se assustara com o homem da ferida ou com a ferida do homem. Teve vontade de gritar para o mundo: 'Eu não sou ruim! Sou um produto nem sei de quê, como saber dessa miséria da alma.' Para mudar de sentimento ― pois que ela não os aguentava e já tinha vontade de, por desespero, dar um pontapé violento na ferida do mendigo ―, para mudar de sentimentos pensou: este é o meu segundo casamento, isto é, o marido anterior estava vivo."
LISPECTOR, Clarice. A bela e a fera ou a ferida grande demais. In: ___. A bela e a fera. 5.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995, p.113.
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