A mímica consiste em inventar distâncias, de preferência da ordem de anos-luz. Uma coletividade atravessada pela violência, que bem pode ser a nossa, não tolera o humor, o riso gratuito. Está sempre inquirindo, julgando, pedindo contas, assediando das mais diversas formas, restringindo, em última instância, a pouca liberdade que se tem. Pior que a polícia são os que a aplaudem, pois assumem como pressuposto exatamente a intolerância. Na dúvida, é melhor manter-se à distância, buscando refúgio onde o humor ainda seja possível. Isso é apenas uma divagação inspirada por uma das cenas mais violentas do filme em tela, em que a violência reside na gratuidade com que se elimina o outro.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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