Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 5 de dezembro de 2010

Dora Ferreira da Silva

Rude-suave amigo

Henry Miller planando no espaço em rudes soluços:
“Sofro como um animal. Sou como um animal. Ninguém pode ajudar-me.
Ninguém é forte para tal esforço.” Anaïs a dizer-lhe
que a força é questão de ritmo. Quem não precisa
ser socorrido alguma vez? Mas é preciso humanamente
aproximar-se dos outros. “Mas tu ― Henry ― pareces incapaz
de ficar próximo de alguém.” O mesmo diálogo se repete
entre elas eles em outras latitudes, tempos diferentes.
Trabalham juntos à beira da loucura, odiados e louvados
em dias consecutivos por sucessivas pessoas ou pelas mesmas.
Gêmeos divinos que a insanidade transforma em pactuários.
Sempre ficam à margem ou no centro instável de uma
Compreensão equivocada. Entre céu e terra os ecos
inumeráveis desse diálogo. Comunhão e distância ― coisas tão diversas!
Próximos apenas da solidão comungam na missa
de todos os dias e de todos os santos.

Os cem melhores poemas brasileiros do século. Org. Ítalo Moriconi. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.287. 

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