É claro que o sumiço repentino do meu blog trouxe-me uma estranha ressaca ― e é claro que emprego o termo no seu sentido forte: forte movimento das ondas sobre si mesmas, resultante de mar muito agitado, quando se chocam contra obstáculos no litoral. O mar em mim se agitou, a escrita tumultou-se, pôs-se a repensar-se, não querendo represar-se. Não sei o que houve para que o blog tenha sido marcado, como o de muitas outras pessoas, e na mesma ocasião, conforme pude averiguar, como “spam”. O curioso é o que veio depois, trazido pela vaga da ressaca: mecanismos de busca com essas combinações: http://thmari.blogspot.com/; “mar à vista da ilha blog”, “mar á vista blog”, “blog mar à vista”, “mar à vista da ilha”.
O que sei é que sou politizada o suficiente para sobreviver, mas, conforme afirmei em comentário num post de outro blog acerca da ingenuidade (aqui), ela é meu calcanhar de Aquiles, e quase sempre é nociva. Sinto que ela me traz coisas boas, como uma espécie de convívio espirituoso com as pessoas. Por alguma razão que me escapa completamente, sou agradável, sem precisar tentar sê-lo. Por outro lado, passo um atestado de incompetência enorme quando o assunto é vida, o que me torna uma esquiva, ou arisca, conforme já ouvi certa feita. Pois simplesmente tenho o tempo todo consciência da minha ingenuidade. Intuo bastidores, intuo muita coisa.
Já vivi situações que me mostraram com quantas máscaras se faz uma imagem. Por exemplo, agora em que o caso Bruno volta a público, pois será levado a júri popular. Na época, o que escandalizou a todos ― e não houve ninguém no Brasil que não comentasse ― foi a proporção de tudo, o quanto o ser humano pode ser pior que tudo o que se pode imaginar dele. Até hoje o corpo não foi encontrado, e a descrição do crime que veio a público, dada por um adolescente que depois voltou atrás em seu depoimento, não se sabe bem por que, era de uma atrocidade feroz. Quer dizer: havia algo de intolerável em admitir que alguém pudesse matar e, para ocultar o cadáver, desossasse-o, desse-o como comida aos cachorros e depois cimentasse os ossos. Foi uma espécie de choque coletivo, essa versão. Nem o Allan Pöe em suas fantasmagorias conceberia algo tão escabroso, porque nele se tratava dos desvãos do psiquismo humano, enquanto no caso do crime em tela há algo da ordem do animal muito forte falando. Nenhum dos crimes que li em Rubem Fonseca chegou a esse grau de degradação, talvez porque o que estivesse em jogo era tanto o crime quanto a elegância em cometê-lo, ou desvendá-lo. Enfim, não faltam criminosos notáveis na literatura, mas há neles, talvez por que seja literatura, algo que os redima ante o leitor. Falo do que li, evidentemente. Paulo Honório era um assassino, Riobaldo um jagunço com mira excelente, Bentinho teve ganas de matar o próprio filho. Esqueci algum? Vários. Lady Macbeth, Raskolnikóv, Édipo. A galeria é imensa.
De forma que seria muito interessante tentar penetrar nos labirintos desses crimes "reais". Fazê-lo seria, de certa forma, entender melhor o que nos espreita quando o frágil verniz da cultura cede lugar a outras forças. Mas creio que divago, enredo-me em labirintos também. O que queria dizer é só isso: na minha ingenuidade, não entendi o sumiço repentino do meu blog. Mas prefiro não entender: quero apenas continuar acreditando que posso me mexer com o quinhão de liberdade que consigo me permitir. Ou que me concedem.
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